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A contribuição de Einstein à Física. (1) Giorgio Moscati Instituto de Física da Universidade de São Paulo "Sua Majestade, Sua Alteza Real, Senhoras e Senhores: É provável que nenhum físico vivo tenha seu nome tão conhecido como o de Albert Einstein." Com estas palavras S. Arrhenius, presidente do Comitê Nobel para a física da Academia Real Sueca de Ciências, iniciou seu discurso na entrega do prêmio Nobel para a Física a Albert Einstein em 1921 pela sua contribuição à explicação do efeito fotoelétrico. Einstein não estava presente à cerimônia por encontrar-se longe demais da Suécia! Hoje, passados quase 60 anos dessa cerimônia e quase 25 de sua morte, o nome de Einstein continua vivo e conhecido - talvez o mais famoso de todos os cientistas. Qual a contribuição de Einstein à ciência que o tornou tão conhecido? Para compreender o alcance e importância de sua contribuição, que ocorreu a partir de 1905 e se estendeu até sua morte em 1955, devemos inicialmente considerar a situação da física em 1900. A Física em 1900 No período entre 1600 e 1900, a física sofreu um grande desenvolvimento. A Mecânica Clássica, originando-se com Galileu e desenvolvida por Newton, estava plenamente estabelecida, o movimento dos planetas era descrito com grande precisão e as aplicações à engenharia tinham grande sucesso. 0 Eletromagnetismo desenvolvido entre a metade do século XVIII e a metade do século XIX por Franklin, Faraday e Maxwell acabava de ser coroado com a observação por Hertz das ondas eletromagnéticas previstas por Maxwell. As aplicações na eletrotécnica traziam frutos promissores e se iniciava a era do rádio com as experiências com o "Telégrafo sem fio". A Óptica, depois de um início conturbado em que o modelo corpuscular de Newton dominou sem sucesso o século XVIII, se estabelecia com a teoria ondulatória e se coroava no século XIX com a identificação da luz como uma onda eletromagnética que satisfazia as equações de Maxwell. A termodinâmica finalmente se estabelecia com a identificação do calor como uma forma de energia e com a formulação das leis da termodinâmica por Joule, Carnot e Helmholtz. Estava aberto o caminho para os projetos em bases cientificas das máquinas térmicas. A teoria cinética dos gases e as idéias da mecânica estatística por Maxwell e Boltzmann davam uma descrição das propriedades dos gases, baseada na hipótese de que um gás era composto por partículas; os hipotéticos átomos e moléculas. 0 estudo da estrutura da matéria dava seus primeiros passos: com inúmeras observações e poucos elementos unificadores, havia evidências químicas, eletroquímicas e espectroscópicas de que o problema era complexo, mas se acreditava que, com as armas da Mecânica, Termodinâmica e Eletromagnetismo, aos poucos os problemas seriam resolvidos. 0 caráter ondulatório da luz era um fato estabelecido, e nada levava a suspeitar de que poderia haver algo de descontinuo num feixe de luz . A hipótese da estrutura atômica da matéria era claramente defendida por alguns como uma "realidade" enquanto que para outros era apenas uma hipótese conveniente para explicar certos fenômenos mas, na "realidade", a matéria seria contínua. Havia problemas. Algumas regularidades na emissão de luz pelos "átomos" sugeriam uma estrutura bem definida. A condução de eletricidade em gases e sólidos aguardava explicações. Surgiam incompatibilidades entre o princípio da relatividade de Galileu, que garante que as leis da física podem ser verificadas em qualquer referencial inercial, e o eletromagnetismo de Maxwell que parecia sugerir a existência de um referencial privilegiado em relação ao qual a velocidade da luz tem o valor previsto pelas equações de Maxwell. Observações feitas por Michelson indicavam a inexistência de um tal referencial privilegiado. Começavam a ser investigadas as interações da radiação com a matéria e várias radiações recentemente descobertas eram produzidas em laboratório - raios canais, raios X, raios catódicos e os raios emitidos pelo urânio, alfa, beta e gama. Dentre estas interações o efeito fotoelétrico, que consiste na emissão de raios catódicos por metais iluminados com raios ultravioleta, tinha características peculiares. Este fenômeno, descoberto por Hertz, ao demonstrar o caráter ondulatório da radiação eletromagnética, viria ironicamente fornecer evidência do caráter corpuscular dessa radiação. Este fenômeno ocorre se a radiação ultravioleta tem comprimento de onda inferior a um determinado valor; a energia cinética dos raios catódicos emitidos não depende da intensidade da fonte. Estes fatos eram inexplicáveis em termos do caráter ondulatório da luz, aceito na época. No campo da termodinâmica havia um problema que Planck conseguiu solucionar formalmente em 1900, que consistia em explicar o espectro da radiação emitida por um corpo aquecido. Como mostravam as observações, este espectro é essencialmente independente da substância que o emite, dependendo apenas da temperatura. Isto sugere o caráter fundamental do fenômeno, o que desafiou Planck para a sua solução. Para explicar as observações, Planck teve de usar uma hipótese que considerou desesperada - impôs que a emissão e absorção de radiação eletromagnética por parte da matéria ocorria de forma descontínua, isto é, se for emitida radiação de freqüência f, a energia desta radiação pode assumir um dos valores hf, 2hf, 3hf, etc. Sendo proibidos quaisquer outros valores, tais como, por exemplo, 1,5 hf ou 2,3 hf. A constante h é hoje conhecida como constante de Planck. Naturalmente, havia inúmeros outros resultados experimentais aguardando explicações plausíveis e confundindo a situação. Alguns destes resultados eram incorretos e não foram mais reproduzidos e outros eram pouco relevantes para sugerir teorias capazes de explicar uma ampla gama de resultados. Einstein Em 1900, Einstein tinha 21 anos e se formava na Escola Politécnica de Zurique. Não se revelara aos estudos e não se adaptara ao sistema educacional vigente. Seu inconformismo, tão essencial à sua contribuição impedia sua integração na escola. Conseguiu finalmente seu diploma sem ter de pagar o alto preço da perda da criatividade e independência intelectual. Conseguiu um emprego no departamento de patentes em Berna e começou sua produção científica publicando a partir de 1901 alguns trabalhos sobre termodinâmica. 0 ano de 1905 foi o ano de suas grandes contribuições. Conseguiu seu doutoramento na Escola Politécnica de Zurique publicando seus resultados. Publicou ainda quatro trabalhos que marcaram a historia da Ciência. 0 primeiro se referia á teoria do efeito fotoelétrico; o segundo se referia ao movimento Browniano; o terceiro à teoria da relatividade e o quarto mostrava a eqüivalência entre massa e energia - a famosa expressão E = Mc2 - como conseqüência do princípio da relatividade. Durante os 10 anos seguintes Einstein desenvolveu a teoria geral da relatividade, que publicou em 1916. Durante o período de suas primeiras contribuições, Einstein trabalhou muito isolado, sem quase contatos com a comunidade científica. Foi talvez isso que lhe permitiu atacar os problemas com grande originalidade, concentrando-se nos pontos fundamentais sem se deixar desviar pelos detalhes. A teoria da Relatividade Disse Einstein que o problema da relatividade começou a preocupá-lo quando tinha 16 anos e foi despertado ao tentar imaginar como um observador que se movesse com a velocidade da luz descreveria uma onda eletromagnética. Este problema mostrou-se muito rico e sua resposta exigia a solução do conflito entre o princípio da relatividade de Galileu, que garante que as leis da Mecânica são as mesmas em qualquer referencial, e as leis do Eletromagnetismo de Maxwell que, com a experiência de Michelson, indicam que a velocidade da luz é constante e independente do referencial. Assim, se para um observador a velocidade da luz vale c = 300.000km/s, para outro observador em movimento em relação a ele, e na mesma direção da propagação da luz com velocidade v, a velocidade da luz deveria valer c - v aplicando a relatividade de Galileu e deveria valer c pelo eletromagnetismo de Maxwell. Estava criada uma contradição. Einstein postulou que a velocidade da luz teria o valor constante em qualquer referencial inercial e a partir daí passou a reformular a relatividade de Galileu. As modificações necessárias foram profundas e implicaram no abandono dos conceitos de espaço e tempo absolutos de Newton levando ao fato, amplamente comprovado hoje, de que o intervalo de tempo entre dois acontecimentos depende do movimento do referencial em que o observador se encontra. 0 mesmo ocorrendo com as dimensões de objetos. Com essas mudanças Einstein conseguiu deduzir leis para a soma de velocidades que não mais levavam a contradições. Conseqüências importantes que foram logo notadas por Einstein são: a massa de um objeto depende de seu estado de movimento; há uma eqüivalência entre massa e energia; objetos materiais não podem atingir ou ultrapassar a velocidade da luz no vácuo. A eqÜivalência entre massa e energia implica em que à massa de 1 kg corresponde a energia de 9.000.000.000.000.000.000 de Joule ou seja, a energia capaz de aquecer 20.000.000.000.000 kg de água de 0ºC até 100ºC ! Esta eqüivalência entre massa e energia constitui o princípio fundamental de funcionamento dos reatores nucleares que nada mais são do que transformadores de massa em energia. Alias, sob este ponto de vista qualquer máquina térmica é também um transformador de massa em energia mas em outra escala. A generalização do problema da descrição de fenômenos observados a partir de referenciais que não são inerciais levou Einstein em 1916 à teoria geral da relatividade. Essa teoria prevê que raios de luz podem ser desviados por campos gravitacionais intensos e que a luz muda de freqüência quando se move verticalmente em um campo gravitacional. Este último fato eqüivale a dizer que dois relógios que estão a distâncias diferentes do centro da terra não permanecem sincronizados. Verificações experimentais da teoria geral estão de acordo com as previsões. A teoria geral encontra aplicações em cosmologia, na descrição do universo e de sua evolução e, recentemente, tem sido usada para explicar as propriedades surpreendentes dos buracos negros em que a intensidade de seu campo gravitacional impede que emitam radiação (daí seu nome). O movimento Browniano De acordo com a teoria cinética dos gases desenvolvida durante o século XIX, as moléculas de um gás estão em contínua agitação, chocando-se e trocando energia de forma que a energia cinética média de todas as moléculas é igual. Apesar de que esta teoria descrevia corretamente algumas das propriedades dos gases, muitos cientistas não consideravam esta concordância como uma comprovação da existência das moléculas. Aceitavam apenas que um gás se comportava como se fosse constituído por moléculas, o que era muito diferente de aceitar que o gás era "realmente" constituído por moléculas. Einstein estudou o movimento que deveria ter uma partícula imersa em um líquido supondo que as moléculas do líquido, de forma semelhante às de um gás, se chocariam com a partícula empurrando-a ao acaso em todas as direções. Se a partícula fosse suficientemente grande para ser observada ao microscópio mas também suficientemente pequena para sofrer deslocamentos observáveis, seria possível determinar diretamente a energia cinética média do objeto e portanto a energia cinética média de uma molécula (ambos esses valores são iguais por hipótese). As conclusões de Einstein previam como o deslocamento da partícula deveria ocorrer durante um certo tempo de observação. Em seu trabalho original, Einstein foi muito incisivo dizendo que se o movimento não fosse observado isto seria um argumento muito forte contra a teoria cinética do calor. Fez também considerações sobre a possibilidade do efeito em estudo ter sido observado por Robert Brown em 1827 que constatara que grãos de pólen em suspensão aquosa estão em continua agitação. A comprovação experimental dos resultados previstos por Einstein foi considerada, na época, como uma evidência fortíssima para a "realidade" das moléculas e teve um papel importante na "conversão" de cientistas de prestígio para o clube dos atomistas. O efeito fotoelétrico A hipótese usada por Planck, de considerar descontínua a radiação, para conseguir explicar o espectro de emissão de um corpo aquecido, parecia tão inaceitável nos primeiros anos deste século que ninguém, a não ser Einstein, se atreveu a considerá-la como indicando a existência de pacotes de radiação com energias bem definidas. Como de costume, era considerada como uma hipótese que explicava alguns resultados e que indicava que a radiação se comportava como se fosse emitida e absorvida em pacotes, mas não implicava necessariamente na existência "real" desses pacotes. Em parte, esse comportamento se justifica, pois, para os físicos, como aliás, para qualquer cientista, não é válido criar entes específicos para resolver problemas específicos. Um novo ente criado só começa a adquirir credibilidade se aplicável a uma variedade suficientemente ampla de fenômenos. Baseado em evidências experimentais muito fragmentárias, Einstein considerou o efeito fotoelétrico como um fenômeno a ser explicado pela interação dos pacotes de energia com a superfície de onde são emitidos elétrons. As previsões feitas por Einstein com relação ao que deveria ser observado nas medidas foram bem especificas e detalhadas. A energia cinética máxima dos fotoelétrons emitidos deve ser uma função linear da freqüência da luz incidente e a emissão só deve ocorrer se essa freqüência for maior do que um certo valor mínimo (característico de cada material). Não havia dados experimentais na época para verificar as previsões. Devido às dificuldades, resultados precisos tiveram de aguardar até 1915, quando Millikan comprovou plenamente as previsões de Einstein. É interessante relembrar as palavras usadas por Millikan em 1949, ao fazer seu tributo a Einstein por ocasião de seu septuagésimo aniversário: "Gastei 10 anos de minha vida testando a equação de Einstein de 1905 e, contrariamente a todas as minhas expectativas, fui compelido em 1915 a relatar sua incontestável verificação experimental, apesar de sua implausibilidade, pois parecia violar tudo o que conhecemos em relação à interferência da luz". Nem todos foram tão difíceis de se convencer como Millikan, que aliás não foi convencido, mas se convenceu (parece) ! Aos poucos a idéia da quantização da radiação foi sendo aceita. A partir de 1913, a constante de Planck passou a ser utilizada como elemento central no modelo atômico de Bohr. no primeiro artigo sobre o efeito fotoelétrico, Einstein considerou outros fenômenos conhecidos que davam suporte à "realidade" da quantização da radiação. Hoje, os "pacotes de energia" de radiação eletromagnética são chamados fótons e sua emissão e absorção descontínua são o dia a dia dos físicos, biofísicos, biólogos moleculares, químicos, etc. Outros trabalhos Ao se considerar as contribuições mais importantes de Einstein não se deve esquecer seu contínuo trabalho abordando inúmeras áreas, discutindo e criticando os desenvolvimentos da Física. Não podemos deixar de citar sua famosa discussão com Bohr na década de trinta sobre os fundamentos da mecânica quântica e que contribuíram ao seu estabelecimento. Suas regras gerais referentes às leis de absorção e emissão de radiação pelos átomos têm aplicação para o funcionamento dos lasers. Seus esforços continuados para a formulação de uma teoria unificada das forças na natureza encontram hoje continuidade e alguns progressos importantes estão sendo conseguidos. Vistos em conjunto e considerando o desenvolvimento da Física no século XX conclui-se que Einstein revolucionou a Física. A teoria da relatividade leva a uma reformulação total dos conceitos de espaço, tempo, massa e energia. A explicação do efeito fotoelétrico leva à estrutura corpuscular da luz e ao conceito de fótons. A explicação do movimento Browniano levou ao estabelecimento da hipótese atômica como uma "realidade" e não apenas um artifício. Para a grande maioria das pessoas é difícil apreciar em toda a sua profundidade a grandiosidade das contribuições de Einstein e suas implicações. Os especialistas são praticamente unânimes em reconhecê-la. Assim em relação a Einstein a fama popular e entre os cientistas são concordantes. Einstein reuniu características que o levaram a estudar problemas fundamentais, abordá-los com grande profundidade, criatividade, originalidade, inconformismo e persistência, desenvolvê-los sob um ponto de vista amplo levando-os até as últimas conseqüências. Seus trabalhos são meticulosos, as vezes com cálculos numéricos detalhados e com orientação precisa aos experimentadores sobre como observar os efeitos previstos. Seus trabalhos são em geral claros e didáticos e freqüentemente apresentados em diversa formas com ênfase diferentes e vários graus de dificuldade procurando atingir ora os especialistas, ora os menos especialistas. Seus argumentos são sempre físicos e usa a matemática quando indispensável. Defendeu sempre suas posições e participou ativamente durante mais de 50 anos do desenvolvimento da Física num período extremamente rico, em grande parte como conseqüência de suas próprias contribuições. (1) Publicado originalmente no Suplemento Cultural do Jornal "O Estado de São Paulo" em 11/03/1979, por ocasião do Centenário do Nascimento de Albert Einstein- divulgação neste sitio autorizada pelo jornal, que detém os direitos autorais. (+) O professor Giorgio Moscati está atualmente aposentado da USP mas continua colaborando com o Departamento de Física Experimental da Universidade de São Paulo. É assessor do Presidente do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial- INMETRO, é membro do Comitê Internacional de Pesos de Medidas (CIPM), do Bureau Internacional de Pesos e Medidas (BIPM) e é Presidente do Comitê Consultivo de Radiações Ionizantes do BIPM. Sua atividade principal esta no campo da METROLOGIA.
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A contribuição de Einstein à Física. (1) Giorgio Moscati Instituto de Física da Universidade de São Paulo "Sua Majestade, Sua Alteza Real, Senhoras e Senhores: É provável que nenhum físico vivo tenha seu nome tão conhecido como o de Albert Einstein." Com estas palavras S. Arrhenius, presidente do Comitê Nobel para a física da Academia Real Sueca de Ciências, iniciou seu discurso na entrega do prêmio Nobel para a Física a Albert Einstein em 1921 pela sua contribuição à explicação do efeito fotoelétrico. Einstein não estava presente à cerimônia por encontrar-se longe demais da Suécia! Hoje, passados quase 60 anos dessa cerimônia e quase 25 de sua morte, o nome de Einstein continua vivo e conhecido - talvez o mais famoso de todos os cientistas. Qual a contribuição de Einstein à ciência que o tornou tão conhecido? Para compreender o alcance e importância de sua contribuição, que ocorreu a partir de 1905 e se estendeu até sua morte em 1955, devemos inicialmente considerar a situação da física em 1900. A Física em 1900 No período entre 1600 e 1900, a física sofreu um grande desenvolvimento. A Mecânica Clássica, originando-se com Galileu e desenvolvida por Newton, estava plenamente estabelecida, o movimento dos planetas era descrito com grande precisão e as aplicações à engenharia tinham grande sucesso. 0 Eletromagnetismo desenvolvido entre a metade do século XVIII e a metade do século XIX por Franklin, Faraday e Maxwell acabava de ser coroado com a observação por Hertz das ondas eletromagnéticas previstas por Maxwell. As aplicações na eletrotécnica traziam frutos promissores e se iniciava a era do rádio com as experiências com o "Telégrafo sem fio". A Óptica, depois de um início conturbado em que o modelo corpuscular de Newton dominou sem sucesso o século XVIII, se estabelecia com a teoria ondulatória e se coroava no século XIX com a identificação da luz como uma onda eletromagnética que satisfazia as equações de Maxwell. A termodinâmica finalmente se estabelecia com a identificação do calor como uma forma de energia e com a formulação das leis da termodinâmica por Joule, Carnot e Helmholtz. Estava aberto o caminho para os projetos em bases cientificas das máquinas térmicas. A teoria cinética dos gases e as idéias da mecânica estatística por Maxwell e Boltzmann davam uma descrição das propriedades dos gases, baseada na hipótese de que um gás era composto por partículas; os hipotéticos átomos e moléculas. 0 estudo da estrutura da matéria dava seus primeiros passos: com inúmeras observações e poucos elementos unificadores, havia evidências químicas, eletroquímicas e espectroscópicas de que o problema era complexo, mas se acreditava que, com as armas da Mecânica, Termodinâmica e Eletromagnetismo, aos poucos os problemas seriam resolvidos. 0 caráter ondulatório da luz era um fato estabelecido, e nada levava a suspeitar de que poderia haver algo de descontinuo num feixe de luz . A hipótese da estrutura atômica da matéria era claramente defendida por alguns como uma "realidade" enquanto que para outros era apenas uma hipótese conveniente para explicar certos fenômenos mas, na "realidade", a matéria seria contínua. Havia problemas. Algumas regularidades na emissão de luz pelos "átomos" sugeriam uma estrutura bem definida. A condução de eletricidade em gases e sólidos aguardava explicações. Surgiam incompatibilidades entre o princípio da relatividade de Galileu, que garante que as leis da física podem ser verificadas em qualquer referencial inercial, e o eletromagnetismo de Maxwell que parecia sugerir a existência de um referencial privilegiado em relação ao qual a velocidade da luz tem o valor previsto pelas equações de Maxwell. Observações feitas por Michelson indicavam a inexistência de um tal referencial privilegiado. Começavam a ser investigadas as interações da radiação com a matéria e várias radiações recentemente descobertas eram produzidas em laboratório - raios canais, raios X, raios catódicos e os raios emitidos pelo urânio, alfa, beta e gama. Dentre estas interações o efeito fotoelétrico, que consiste na emissão de raios catódicos por metais iluminados com raios ultravioleta, tinha características peculiares. Este fenômeno, descoberto por Hertz, ao demonstrar o caráter ondulatório da radiação eletromagnética, viria ironicamente fornecer evidência do caráter corpuscular dessa radiação. Este fenômeno ocorre se a radiação ultravioleta tem comprimento de onda inferior a um determinado valor; a energia cinética dos raios catódicos emitidos não depende da intensidade da fonte. Estes fatos eram inexplicáveis em termos do caráter ondulatório da luz, aceito na época. No campo da termodinâmica havia um problema que Planck conseguiu solucionar formalmente em 1900, que consistia em explicar o espectro da radiação emitida por um corpo aquecido. Como mostravam as observações, este espectro é essencialmente independente da substância que o emite, dependendo apenas da temperatura. Isto sugere o caráter fundamental do fenômeno, o que desafiou Planck para a sua solução. Para explicar as observações, Planck teve de usar uma hipótese que considerou desesperada - impôs que a emissão e absorção de radiação eletromagnética por parte da matéria ocorria de forma descontínua, isto é, se for emitida radiação de freqüência f, a energia desta radiação pode assumir um dos valores hf, 2hf, 3hf, etc. Sendo proibidos quaisquer outros valores, tais como, por exemplo, 1,5 hf ou 2,3 hf. A constante h é hoje conhecida como constante de Planck. Naturalmente, havia inúmeros outros resultados experimentais aguardando explicações plausíveis e confundindo a situação. Alguns destes resultados eram incorretos e não foram mais reproduzidos e outros eram pouco relevantes para sugerir teorias capazes de explicar uma ampla gama de resultados. Einstein Em 1900, Einstein tinha 21 anos e se formava na Escola Politécnica de Zurique. Não se revelara aos estudos e não se adaptara ao sistema educacional vigente. Seu inconformismo, tão essencial à sua contribuição impedia sua integração na escola. Conseguiu finalmente seu diploma sem ter de pagar o alto preço da perda da criatividade e independência intelectual. Conseguiu um emprego no departamento de patentes em Berna e começou sua produção científica publicando a partir de 1901 alguns trabalhos sobre termodinâmica. 0 ano de 1905 foi o ano de suas grandes contribuições. Conseguiu seu doutoramento na Escola Politécnica de Zurique publicando seus resultados. Publicou ainda quatro trabalhos que marcaram a historia da Ciência. 0 primeiro se referia á teoria do efeito fotoelétrico; o segundo se referia ao movimento Browniano; o terceiro à teoria da relatividade e o quarto mostrava a eqüivalência entre massa e energia - a famosa expressão E = Mc2 - como conseqüência do princípio da relatividade. Durante os 10 anos seguintes Einstein desenvolveu a teoria geral da relatividade, que publicou em 1916. Durante o período de suas primeiras contribuições, Einstein trabalhou muito isolado, sem quase contatos com a comunidade científica. Foi talvez isso que lhe permitiu atacar os problemas com grande originalidade, concentrando-se nos pontos fundamentais sem se deixar desviar pelos detalhes. A teoria da Relatividade Disse Einstein que o problema da relatividade começou a preocupá-lo quando tinha 16 anos e foi despertado ao tentar imaginar como um observador que se movesse com a velocidade da luz descreveria uma onda eletromagnética. Este problema mostrou-se muito rico e sua resposta exigia a solução do conflito entre o princípio da relatividade de Galileu, que garante que as leis da Mecânica são as mesmas em qualquer referencial, e as leis do Eletromagnetismo de Maxwell que, com a experiência de Michelson, indicam que a velocidade da luz é constante e independente do referencial. Assim, se para um observador a velocidade da luz vale c = 300.000km/s, para outro observador em movimento em relação a ele, e na mesma direção da propagação da luz com velocidade v, a velocidade da luz deveria valer c - v aplicando a relatividade de Galileu e deveria valer c pelo eletromagnetismo de Maxwell. Estava criada uma contradição. Einstein postulou que a velocidade da luz teria o valor constante em qualquer referencial inercial e a partir daí passou a reformular a relatividade de Galileu. As modificações necessárias foram profundas e implicaram no abandono dos conceitos de espaço e tempo absolutos de Newton levando ao fato, amplamente comprovado hoje, de que o intervalo de tempo entre dois acontecimentos depende do movimento do referencial em que o observador se encontra. 0 mesmo ocorrendo com as dimensões de objetos. Com essas mudanças Einstein conseguiu deduzir leis para a soma de velocidades que não mais levavam a contradições. Conseqüências importantes que foram logo notadas por Einstein são: a massa de um objeto depende de seu estado de movimento; uma eqüivalência entre massa e energia; objetos materiais não podem atingir ou ultrapassar a velocidade da luz no vácuo. A eqÜivalência entre massa e energia implica em que à massa de 1 kg corresponde a energia de 9.000.000.000.000.000.000 de Joule ou seja, a energia capaz de aquecer 20.000.000.000.000 kg de água de 0ºC até 100ºC ! Esta eqüivalência entre massa e energia constitui o princípio fundamental de funcionamento dos reatores nucleares que nada mais são do que transformadores de massa em energia. Alias, sob este ponto de vista qualquer máquina térmica é também um transformador de massa em energia mas em outra escala. A generalização do problema da descrição de fenômenos observados a partir de referenciais que não são inerciais levou Einstein em 1916 à teoria geral da relatividade. Essa teoria prevê que raios de luz podem ser desviados por campos gravitacionais intensos e que a luz muda de freqüência quando se move verticalmente em um campo gravitacional. Este último fato eqüivale a dizer que dois relógios que estão a distâncias diferentes do centro da terra não permanecem sincronizados. Verificações experimentais da teoria geral estão de acordo com as previsões. A teoria geral encontra aplicações em cosmologia, na descrição do universo e de sua evolução e, recentemente, tem sido usada para explicar as propriedades surpreendentes dos buracos negros em que a intensidade de seu campo gravitacional impede que emitam radiação (daí seu nome). O movimento Browniano De acordo com a teoria cinética dos gases desenvolvida durante o século XIX, as moléculas de um gás estão em contínua agitação, chocando-se e trocando energia de forma que a energia cinética média de todas as moléculas é igual. Apesar de que esta teoria descrevia corretamente algumas das propriedades dos gases, muitos cientistas não consideravam esta concordância como uma comprovação da existência das moléculas. Aceitavam apenas que um gás se comportava como se fosse constituído por moléculas, o que era muito diferente de aceitar que o gás era "realmente" constituído por moléculas. Einstein estudou o movimento que deveria ter uma partícula imersa em um líquido supondo que as moléculas do líquido, de forma semelhante às de um gás, se chocariam com a partícula empurrando-a ao acaso em todas as direções. Se a partícula fosse suficientemente grande para ser observada ao microscópio mas também suficientemente pequena para sofrer deslocamentos observáveis, seria possível determinar diretamente a energia cinética média do objeto e portanto a energia cinética média de uma molécula (ambos esses valores são iguais por hipótese). As conclusões de Einstein previam como o deslocamento da partícula deveria ocorrer durante um certo tempo de observação. Em seu trabalho original, Einstein foi muito incisivo dizendo que se o movimento não fosse observado isto seria um argumento muito forte contra a teoria cinética do calor. Fez também considerações sobre a possibilidade do efeito em estudo ter sido observado por Robert Brown em 1827 que constatara que grãos de pólen em suspensão aquosa estão em continua agitação. A comprovação experimental dos resultados previstos por Einstein foi considerada, na época, como uma evidência fortíssima para a "realidade" das moléculas e teve um papel importante na "conversão" de cientistas de prestígio para o clube dos atomistas. O efeito fotoelétrico A hipótese usada por Planck, de considerar descontínua a radiação, para conseguir explicar o espectro de emissão de um corpo aquecido, parecia tão inaceitável nos primeiros anos deste século que ninguém, a não ser Einstein, se atreveu a considerá-la como indicando a existência de pacotes de radiação com energias bem definidas. Como de costume, era considerada como uma hipótese que explicava alguns resultados e que indicava que a radiação se comportava como se fosse emitida e absorvida em pacotes, mas não implicava necessariamente na existência "real" desses pacotes. Em parte, esse comportamento se justifica, pois, para os físicos, como aliás, para qualquer cientista, não é válido criar entes específicos para resolver problemas específicos. Um novo ente criado começa a adquirir credibilidade se aplicável a uma variedade suficientemente ampla de fenômenos. Baseado em evidências experimentais muito fragmentárias, Einstein considerou o efeito fotoelétrico como um fenômeno a ser explicado pela interação dos pacotes de energia com a superfície de onde são emitidos elétrons. As previsões feitas por Einstein com relação ao que deveria ser observado nas medidas foram bem especificas e detalhadas. A energia cinética máxima dos fotoelétrons emitidos deve ser uma função linear da freqüência da luz incidente e a emissão deve ocorrer se essa freqüência for maior do que um certo valor mínimo (característico de cada material). Não havia dados experimentais na época para verificar as previsões. Devido às dificuldades, resultados precisos tiveram de aguardar até 1915, quando Millikan comprovou plenamente as previsões de Einstein. É interessante relembrar as palavras usadas por Millikan em 1949, ao fazer seu tributo a Einstein por ocasião de seu septuagésimo aniversário: "Gastei 10 anos de minha vida testando a equação de Einstein de 1905 e, contrariamente a todas as minhas expectativas, fui compelido em 1915 a relatar sua incontestável verificação experimental, apesar de sua implausibilidade, pois parecia violar tudo o que conhecemos em relação à interferência da luz". Nem todos foram tão difíceis de se convencer como Millikan, que aliás não foi convencido, mas se convenceu (parece) ! Aos poucos a idéia da quantização da radiação foi sendo aceita. A partir de 1913, a constante de Planck passou a ser utilizada como elemento central no modelo atômico de Bohr. no primeiro artigo sobre o efeito fotoelétrico, Einstein considerou outros fenômenos conhecidos que davam suporte à "realidade" da quantização da radiação. Hoje, os "pacotes de energia" de radiação eletromagnética são chamados fótons e sua emissão e absorção descontínua são o dia a dia dos físicos, biofísicos, biólogos moleculares, químicos, etc. Outros trabalhos Ao se considerar as contribuições mais importantes de Einstein não se deve esquecer seu contínuo trabalho abordando inúmeras áreas, discutindo e criticando os desenvolvimentos da Física. Não podemos deixar de citar sua famosa discussão com Bohr na década de trinta sobre os fundamentos da mecânica quântica e que contribuíram ao seu estabelecimento. Suas regras gerais referentes às leis de absorção e emissão de radiação pelos átomos têm aplicação para o funcionamento dos lasers. Seus esforços continuados para a formulação de uma teoria unificada das forças na natureza encontram hoje continuidade e alguns progressos importantes estão sendo conseguidos. Vistos em conjunto e considerando o desenvolvimento da Física no século XX conclui-se que Einstein revolucionou a Física. A teoria da relatividade leva a uma reformulação total dos conceitos de espaço, tempo, massa e energia. A explicação do efeito fotoelétrico leva à estrutura corpuscular da luz e ao conceito de fótons. A explicação do movimento Browniano levou ao estabelecimento da hipótese atômica como uma "realidade" e não apenas um artifício. Para a grande maioria das pessoas é difícil apreciar em toda a sua profundidade a grandiosidade das contribuições de Einstein e suas implicações. Os especialistas são praticamente unânimes em reconhecê- la. Assim em relação a Einstein a fama popular e entre os cientistas são concordantes. Einstein reuniu características que o levaram a estudar problemas fundamentais, abordá-los com grande profundidade, criatividade, originalidade, inconformismo e persistência, desenvolvê-los sob um ponto de vista amplo levando-os até as últimas conseqüências. Seus trabalhos são meticulosos, as vezes com cálculos numéricos detalhados e com orientação precisa aos experimentadores sobre como observar os efeitos previstos. Seus trabalhos são em geral claros e didáticos e freqüentemente apresentados em diversa formas com ênfase diferentes e vários graus de dificuldade procurando atingir ora os especialistas, ora os menos especialistas. Seus argumentos são sempre físicos e usa a matemática quando indispensável. Defendeu sempre suas posições e participou ativamente durante mais de 50 anos do desenvolvimento da Física num período extremamente rico, em grande parte como conseqüência de suas próprias contribuições. (1) Publicado originalmente no Suplemento Cultural do Jornal "O Estado de São Paulo" em 11/03/1979, por ocasião do Centenário do Nascimento de Albert Einstein- divulgação neste sitio autorizada pelo jornal, que detém os direitos autorais. (+) O professor Giorgio Moscati está atualmente aposentado da USP mas continua colaborando com o Departamento de Física Experimental da Universidade de São Paulo. É assessor do Presidente do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial- INMETRO, é membro do Comitê Internacional de Pesos de Medidas (CIPM), do Bureau Internacional de Pesos e Medidas (BIPM) e é Presidente do Comitê Consultivo de Radiações Ionizantes do BIPM. Sua atividade principal esta no campo da METROLOGIA.
Ciência e Cutura na escola
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